terça-feira, novembro 10, 2009

Family

Aqui ficam dois textos magistrais escritos pela mão do amigo Rui Silva, originalmente publicados em MACA magazine

Loren Connors & Jim O’Rourke- “Two Nice Catholic Boys” (2009/ Nova Iorque, EUA / Family Vineyard)
Loren Connors é um dos mais talentosos e prestigiados guitarristas do avant blues nova-iorquino. Obsessivamente, ao longo de 30 anos repletos de edições, tem vindo a apurar o seu interesse no blues do Mississipi, desenvolvendo uma visão singular e vanguardista assente nas raízes profundas da música tradicional americana. Não menos talentoso, Jim O’Rourke tem percorrido o caminho inverso, optando por não mergulhar a sua visão em estilos nem em tendências, acabando por criar um catálogo coerente, mas que se apoia em fontes absurdamente díspares.
Em 1997, já O’Rourke tinha reeditado na sua Dexter’s Cigar o maravilhoso “In Pittsburg” de Connors, quando juntos percorreram algumas salas europeias para um conjunto de concertos dos quais seleccionou estes 47 surpreendentes minutos de improvisação.
Nas peças expostas nesta edição da Family Vineyard, os dois guitarristas apresentam luxuosas improvisações, vagueando entre uma panóplia de estados, do dedilhar cru e ruidoso de Connors à leveza e harmonia da guitarra de O’Rourke. Em “Maybe Paris”, o primeiro e mais longo tema dos três, os dois guitarristas incendeiam a sala com distorção, até que, espontaneamente, ao fim de cinco minutos, O’Rourke rompe com um desarmante e melódico riff, que acompanha o som “patenteado” de Connors. É notável como O’Rourke tem a capacidade de se adaptar ao universo dos músicos com quem colabora.
Independentemente das direcções seguidas por Connors e O’Rouke após estes registos, sublinhe-se que em “Two Nice Catholic Boys” as guitarras de ambos fluem excepcionalmente na mesma corrente. Não é acaso que, por estes anos, John Fahey os referenciou como os guitarristas mais influentes na sua fase eléctrica.

Magik Markers- “Balf Quarry” (2009/ Chicago, EUA / Drag City)
Podemos traçar o percurso dos Magik Markers em dois capítulos – antes e depois da saída da baixista Leah Quimbyv em Maio de 2006. Não se sabe até que ponto terá sido influente, mas, desde a sua saída, o som tenso e improvisado que marcou as primeiras gravações deu lugar a um som, não menos energético, porém mais estruturado e melódico.
Depois de “Boss”, o excelente trabalho de 2007 produzido por Lee Ranaldo e editado pela Ecstatic Peace de Thurston Moore, chega-nos “Balf Quarry” pela Drag City. Tal como qualquer outro disco dos Magik Markers, não é um disco imediato. O seu espírito rebelde e livre encarna o formato de canção tradicional com resultados muito interessantes. As analogias com o trabalho anterior são evidentes, no entanto, em “Balf Quarry”, Elisa Ambrogio e Pete Nolan estão mais focados numa estética rock americano dos anos 80. Há discos que são mesmo assim, provocam uma ansiedade por descobrir e revisitar o passado. Em “Jerks” a influência dos padrinhos Sonic Youth é óbvia e dificilmente refutável. Contudo, os Magik Markers são felizmente mais extremistas, alternando surpreendentemente entre a ferocidade “The Lighter Side Of… Hippies” e o brilho de “Ohio R./ Live/ Hoosier”, a mais espantosa canção rock que se ouviu este ano.
Em 2005, Ambrogio confessava à publicação britânica The Wire a propósito da recente digressão com os Sonic Youth “Eu gosto de tocar com bandas que nos obrigam a ir mais longe. Grande parte da música é apenas uma revisitação do passado. Eu quero concentrar-me na música que fazemos e na nossa própria linguagem. Para mim, esta é a única possibilidade de qualquer nova música poder existir”. A caminhar neste sentido os Magik Markers não estão longe de marcarem uma geração de rock americano.

Rui Marques da Silva